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03/11/2016

Será que valeu a pena?

Perfil jornalístico

Rosto cansado, pele enrugada. As conhecidas marcas da idade contrastando com o sorriso enorme estampado na face. Sentada em uma cadeira de balanço, a qual subia e descia para que ela tocasse o chão que os pezinhos não alcançavam. Assim estava dona Domingas quando nos encontramos.

- Esse sorriso já foi máscara para muito choro, minha filha.

- Será que valeu a pena?

Maria Domingas da Silva Paixão, de 56 anos, nasceu em uma cidadezinha esquecida por Deus no interior do Maranhão. Mulher sonhadora, independente e decidida a mudar sua realidade. A mais velha de dez irmãos. Irmãos estes que ela ajudou a criar com muito esforço junto com sua mãe na roça.

- Nossas brincadeiras infantis eram chamar as amigas pra casa para me ajudarem a cuidar deles, eles eram as bonecas e a gente era mãe.

Aos dezessete anos saiu de casa pela primeira vez para casar e foi neste relacionamento que ela teve sua primeira filha, Maria Sônia Paixão. O casamento se extinguiu em menos de dois anos e ela saiu de casa para morar sozinha.

- Uma mãe morar solteira no meu tempo era uma vergonha muito grande e tive que mudar pra perto da casa dos meus tios para os homens não arrombarem a minha casa e fazerem algo comigo.

Pouco tempo depois se envolveu com outro homem, com o qual não chegou a se casar, mas com quem teve seu segundo filho, Carlos Santos. Desiludida, sozinha e com dois filhos para criar ela fez algo que até então imaginara fora de seus princípios, casou-se por necessidade. Em seu primeiro dia de casamento, na sua “Lua de Mel”, foi posta em um quintal com uma pilha de coco babaçu para quebrar. Sua nova realidade começara.

- Sabia que tinha escolhido o homem errado, mas tinha dois filhos pra criar e sozinha e naquele tempo não conseguiria fazer sozinha.

Após um ano seu segundo filho foi entregue para a avó materna, pois este marido não o aceitou mais e a filha mais velha começou a apanhar muito por nunca fazer ”as coisas certas”. Com doze anos e cansada das agressões, a filha foi embora para Brasília para tentar a vida.

- Por que não foi embora junto?

- Ah, como eu queria, só que nesse meio tempo descobri que estava grávida de outro filho, agora dele.

Foi nessa época também que ele a deixou na casa da mãe e partiu Brasil a fora em busca de trabalho. Passou nove meses fora e quando voltou deu-lhe uma casa e mais uma filha para cuidar. O tempo que ele passava fora era sempre muito grande e quando voltava enchia a casa com terror e medo. Ele se tornou mais agressivo e por diversas vezes batia na esposa.

- Acordava todos os dias e dizia a mim mesma que aguentava tudo por causa dos meus filhos e era por pouco tempo, apenas quando ele estava em casa. Além do que, o dinheiro que ele mandava, mesmo sendo pouco, me ajudava a sustentar os que estavam fora. Já chorei muito escondida e tive que sair do quarto muitas vezes sorrindo para minhas crianças não perceberem meu sofrimento.

 Será que valeu a pena?

Algum tempo depois as coisas começaram a “melhorar”. Seus filhos foram crescendo e por mais que ela e seu marido discutissem, ele não se atrevia mais a lhe bater. Ele continuava passando muito tempo fora. Foi quando a filha mais nova engravidou aos 18 anos. O namorado da garota não queria casar, então sobrara pra dona Maria e o marido bravo cuidar da criança. Houve uma grande discussão, pois uma filha grávida e sem marido era uma vergonha enorme para a família, porém como não havia outro jeito aceitaram a neta.

A netinha passou a ser criada pelos avós e a filha começou a trabalhar para ajudar a sustentá-la, assim o tempo foi passando e fazendo de dona Maria escudo contra os ataques do marido para com os filhos. Não percebia, mas havia se tornado a base da casa, a mediadora de todos. Em 2014 dona Maria sofreu infarto, foi levada às pressas para um estado vizinho, passou dois meses de muita agonia.

- Naquele morre não morre sabe?!

Ali, dona Maria conseguiu perceber sua grande importância na família Paixão, ao ver desespero de todos, até do próprio marido ao vê-la assim. Tinha netos pra criar e não podia morrer ali. Com fé em nosso Senhor e cheia de determinação para cuidar da família já tão sofrida e que precisava dela, conseguiu se recuperar e hoje essa mulher forte está aqui para contar a história da família que tanto ama.

- Se comigo  é  ruim, imagina sem. Então sim, mocinha, por vocês CADA SEGUNDO VALEU A PENA.