Entrelinhas / Edições

11/12/2016

O orgasmo do ensaio para a morte

Quando você nasce com a síndrome da bela adormecida se desligar dos sonhos e abrir os olhos para o novo dia ainda pela madrugada é uma verdadeira catástrofe natural

 

Não é fácil acordar todos os dias tão cedo depois de ficar até tarde assistindo sua série preferida. O grito estridente do despertador dói tão forte no peito quanto uma faca que atravessa seus pulmões sem poder de defesa. Sim, este é o meu acordar. Confesso que acordar cedo nunca foi o meu forte e sempre tive uma relação de ódio e ódio com a aurora. Nunca existiu amor entre eu e as primeiras horas do nascer do sol.

Definitivamente não sou uma pessoa matinal. A única relação de amor que tenho é com a comida, o travesseiro, os sonhos, e claro, a pipoca. Uma orgia de preguiça infinita e muito prazerosa que se entrelaça entre os lençóis e toma conta de todo o meu ser.

Porém, a vida não nos permite somente momentos de prazer. Abri os olhos exatamente às 6h e o sol nem havia nascido. A escuridão ainda tomava conta da manhã do dia  09 de Novembro de 2016, e meu corpo insistentemente gritava calado para que eu permanecesse ali, naquela cama tão quente, macia, com cheirinho tão gostoso de mais sonhos e descanso. Mas eu não podia.

Desde criança eu sempre amei dormir. Nada, definitivamente nada tira meu sono. Sempre tive sono pesado. Tão pesado a ponto de algumas vezes no Ensino Médio o relógio despertar e eu não acordar, e minha mãe vir ver se eu não estava morto. Meu pai sempre acordou bem cedo. Já eu, minha mãe, meu irmão, e meus parentes maternos somos os verdadeiros ensaiadores da morte. E que morte maravilhosa é dormir.

O prazer orgásmico provocado do sono substitui qualquer outra relação de prazer necessária pelo corpo. Sinto como se ao dormir eu pudesse fazer sexo comigo mesmo sem mexer nem um fio de cabelo. E o despertador às 6h da manhã o verdadeiro coito interrompido.

Levantei. Não tinha mais jeito, eu precisava levantar. Outra característica do meu ser sonífero é não ter mal humor matinal. Apesar de todos os dias querer ganhar na mega-sena do sono, eu não fico mal humorado em ter que levantar. Agradeço pelo meu dia, tomo meu banho, um café da manhã bem reforçado e inicio meu dia com uma verdadeira sessão de tortura: a academia.

Essa história de que pessoas fitness são apaixonadas pela academia é verdade. Mas acredito piamente que nenhum – nem a Gracyanne Barbosa – gosta de acordar cedo. Todos os rostos na academia são carrancudos pela manhã e em todos os olhares percebo que se pudessem estariam deitadinhos na cama, gozando de sonhos quaisquer e desfrutando dos sabores maravilhosos das horas a mais de sono.

Dráuzio Varella já revelou que acorda todos os dias às 5h da manhã para correr e praticar exercícios físicos e que realmente tem verdadeiro horror em fazer isso. Seus estudos revelaram que ninguém gosta de acordar cedo pra malhar. E quem sou eu para discordar. Na verdade, sou o verdadeiro objeto de pesquisa ambulante que comprova esses estudos.

Mas uma coisa é realmente certa, a endorfina pós-treino é outra sensação maravilhosa que mostra o quão mágico é o corpo humano. Outra sensação tão gostosa quanto transar com os lençóis é o pós-treino. As pessoas podem até chegar cedo na academia com cara de quem comeu e não gostou, mas depois do treino, com a sensação de dever cumprido, o corpo parece flutuar, e todos os sorrisos estão vibrantes para iniciar mais um novo dia. Após sair da academia eu estava ligado no 220w.

Neste dia, minha avó materna teria uma consulta médica ainda pela manhã. Minha missão sempre foi de acompanhar minha avó e minha mãe em todas as consultas de rotina. Sabe aquele neto que a avó só confia de fazer qualquer coisa se ele estiver por perto? Pois é, este sou eu. O netinho da vovó que ela acha que é médico, farmacêutico, psicólogo, advogado, nutricionista, astronauta, cabeleireiro, motorista, vidente, e claro, jornalista. E eu, realmente adoro assumir todos esses papéis.

Minha avó foi a primeira mulher com que eu dormi e com quem eu aprendi a ser bom de cama – olha a ambiguidade. Quando criança, adorava dormir na casa da vovó e com ela aprendi a dividir a mesma cama e as infinitas horas de sonhos. Minha avó é a verdadeira matriarca do sono e dividir a cama com a rainha sonífera sempre foi uma honra.  Na casa da vovó tudo sempre começa após às 10h da manhã. Ninguém jamais foi ousado o suficiente para atrapalhar seu sono, nem mesmo meu avô, baiano do saco roxo que sempre gostou tanto de dormir quanto ela. O enlace do casal quase perfeito.

Pra piorar, enquanto eu ia pra faculdade a noite choveu. E não existe ansiolítico mais forte do que o trânsito lento de Goiânia com chuva. Os carros andam vagarosamente, o barulho da água caindo no teto do carro, as gotas de chuva descem vagarosamente com o chuviscar pelo vidro e você fica ali, esperando abrir o sinal para seguir caminho, sem dormir. Mas estava escurecendo. Um ótimo sinal de que a noite se aproximava e que eu logo mais tarde poderia pegar o sono de jeito.

Chegar em casa depois disso tudo é reconfortante. Tenho um namoro, uma relação verdadeira de amor, respeito e compreensão com a minha cama. Somos um casal mais que perfeito. E naquela noite, ainda chovia. Nada mais romântico do que uma noite chuvosa e a companhia do seu verdadeiro amor. E ela me esperava ali, toda insinuante e sensual, preparando o verdadeiro ménage à trois entre eu, ela e o travesseiro. Minha cama, meu infinito amor. Se dormir é o ensaio da morte – como meu pai diz – eu duvido que morrer seja tão gostoso quanto dormir e por isso morremos gostosamente todos os dias. Aliás, será que a morte fuma um cigarro após gozar de amor? Disso eu não sei e tampouco quero saber. Só sei que dormir é um verdadeiro orgasmo.