Entrelinhas / Edições

03/11/2016

Alô, é da padaria?

Perfil jornalístico

“Coração, pede uma nota pra mim?”, gritou minha chefe Silvye Alves, editora e apresentadora do Cidade Alerta Goiás, do outro lado da redação. De bobes no cabelo, óculos de gatinho e mascando um chiclete atrás do outro, ela demonstra se divertir no meio de toda correria. O clima na TV naquele momento, às 16 horas, é de desespero para editar e fechar todo o jornal a tempo, porque aconteça o que acontecer, o jornal tem que estar pronto às 18 horas, palavras da Silvye.

“Neguinha, vou te respondendo aos poucos aqui no meio dessa loucura”, desabafa Silvye olhando em minha direção, sem saber que naquele momento ela já me respondia muita coisa mesmo sem eu perguntar. “Alô, é da padaria? Traz cinco latas de Red Bull pra mim, por favor? Preciso acordar”, fala Silvye, entre risos, numa ligação.

Pergunto quando foi que ela descobriu que queria ser jornalista, a resposta é clara e cheia de graça. “Menina, eu sempre tentei fazer tudo que me deixasse feliz. Eu era muito nova quando a TV surgiu na minha vida. Recebi um convite pra fazer merchan na TV Lajeado, afiliada da Record em Palmas. Eu não ia ganhar nada por aquilo, mas senti que podia ser uma grande chance. Fui, aprendi, gostei. E gostei tanto que tô até hoje fazendo merchan”, brinca.

A apresentadora conta que depois de começar a trabalhar na TV de Palmas, recebeu várias oportunidades para trabalhar no exterior. Foi chamada para fazer estágio como repórter na TV RAI, do governo Italiano, onde permaneceu por quatro anos e logo conseguiu emprego como assessora de jogadores na empresa LOTTO Sport. Foi para a França e depois para a Grécia, onde se casou. “Tudo aconteceu muito rápido na minha vida. Eu morava na Grécia, era casada, mas meu casamento lá não deu certo, então, senti vontade de voltar pro Brasil, ficar pertinho da minha família. Opa, meu energético chegou”, interrompe e comemora como se acabasse de receber a coisa mais gostosa do mundo. Com a bebida em mãos continua: “E assim que voltei já me chamaram pro mercado de trabalho. A concorrência mostrou interesse, mas optei pela Record”, conclui.

Assim como no início da carreira, hoje em dia o medo de entrar no ar é constante. Trabalhar com a verdade, construir credibilidade, ganhar a confiança do telespectador não é um trabalho fácil. “Tive medo, pensei até em não aceitar fazer o programa. É uma luta diária, audiência minuto a minuto. É difícil manter o telespectador no nosso canal, mas graças a Deus até hoje tem dado certo.”

“Sua nota chegou”, aponto para a tela do computador. Imprimo e entrego; ganho um chiclete e continuo tentando fazer minha entrevista. Para a apresentadora, começar o dia bem informada é essencial. Ela dá uma olhada nos jornais da Record, fuça a concorrência, lê uns sites, um jornal impresso e por último dá aquela checada no celular do Cidade Alerta. Pronto, está informada. Vai pra academia, almoça ovo, lancha ovo e no final dia janta ovo. É mãe do Temmy, de seis anos, e agora está namorando um policial federal (ela faz questão de dizer o quanto adora uma farda). É preciso conciliar tudo. Faz uma ligação no meio do dia pra saber se o filho está bem, escreve a escalada do jornal, manda uma mensagem cheia de carinho para o namorado, volta a escrever mais uma lauda. “É assim, minha filha, tem que arrumar tempo pra tudo”, desabafa a dona Syrva, como é chamada na redação.

“Alô, é o menino da padaria?”, mais uma ligação. “Preciso de duas cartelinhas de Trident, traz pra titia?”, já fala sorrindo. Hora de ir pro camarim. “Essa é uma das melhores partes, só não gosto da mulher que não sabe escovar meu cabelo.”, vira os olhos em tom de desaprovação. Entramos na sala cheia de espelhos, armários, maquiagens e a moça da escova. Observo mais uma virada de olhos. Agora maquiada, cabelo arrumado (faz cara no espelho de quem não gostou e cochicha “ai, que cabelo horrível”), é hora de se vestir. “Lá vamos nós, socorre aqui. Rasguei minha saia. Corre, pega o microfone pra mim, neguinha. Meu Deus, tá na hora, vai começar o programa.”, grita Silvye.

Já estamos no estúdio, agora o silêncio exala na redação. Posicionada, com uma ficha e o celular na mão, ela está pronta. Faz um teste de som, treina a voz imitando o barulho de um caminhãozinho. Ok, vamos entrar no ar. “Vai começar mais um programa. Deus, ajuda nóis aê”, pensa alto a dona Syrva. O sentimento até aquele momento é de dever cumprido, tudo feito, tudo na hora. “Tudo certo até aqui, quero ver depois que acabar. Neguinha, é agora que eu vejo se realmente valeu a pena ter ligado tanto na padaria”, conclui.