Caderno 3 / Edições

12/04/2017

Transição capilar: Uma mudança de fora para dentro

Se há uma tendência na área da beleza que tem feito a cabeça das mulheres –literalmente - é a famosa transição capilar. Esse método é aplicado quando uma mulher que possui cabelo naturalmente cacheado ou crespo e faz uso de alisamentos, como a famosa progressiva, decide retornar ao cabelo natural, deixando o cabelo crescer e cortando o comprimento aos poucos, ou cortando todo o comprimento de uma só vez.

Mas de acordo com a cabeleireira e especialista há 18 anos em cabelos afro, Walkiria Jardim de Barros, que também é proprietária do salão Kira’s no setor Criméia Leste em Goiânia, a transição capilar não é uma tendência, e sim um fenômeno em que finalmente a cultura e os traços negros estão sendo reconhecidos. “As pessoas estão se aceitando como realmente são, se empoderando de nossas características, deixando o padrão do ‘liso que é bonito’”, afirma Walkiria, com olhos marejados.

Para a especialista, um dos motivos mais fortes para o fortalecimento da cultura negra foi a eleição do ex-presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, que por ser negro despertou uma espécie de confiança na comunidade negra. “Nós tivemos uma virada em reconhecimento porque tinha um negro que era presidente dos EUA, se ele está lá, eu também posso chegar onde eu quiser”, conta a cabeleireira.

Walkiria comenta que ao longo dos anos a quantidade de clientes que procuravam alisamento caiu drasticamente. “90% das minhas clientes quando eu comecei [a trabalhar com o salão] alisavam o cabelo. Já hoje eu não tenho nem uma que alisa”, destaca a empreendedora, que ainda conta animada que está com planos de lançar uma marca de produtos para cabelos para cachos, com ativos que combinam com esse tipo de cabelo. “Está quase tudo pronto para lançar [a linha de produtos], fizemos vários testes e o nosso intuito é mostrar que cabelo cacheado não é pra ser esticado, e sim tratado”, diz ela.

Mas a ideia de lançar produtos específicos para cachos não é uma novidade já que a quantidade de marcas que se reinventaram e perceberam essa nova porta aberta no mercado é grande. Uma das marcas de cosméticos que mais vende produtos do segmento é a #todecacho, que foi criada como uma submarca da Salon Line, empresa de São Paulo com 20 anos de mercado. De acordo com a gerente de relacionamentos da empresa, Carolina de Abreu, a empresa procura ter um relacionamento próximo ao público para conseguir fazer uma análise precisa das tendências. “Nossa empresa busca constantemente entender as necessidades dos nossos consumidores, dando extremo valor ao que sentem, pensam e desejam”, afirma Carolina.

Apesar da Salon Line ter uma política que restringe a divulgação de dados específicos relacionados aos indicadores de vendas, a gerente comercial de uma loja de cosméticos localizada em um shopping de Goiânia, Mônica de Morais Sousa, conta que depois que a Salon Line lançou a #todecacho, a procura pelos produtos duplicaram. “As vendas desses produtos na loja aumentaram em 50% e a marca é a que mais vende para mulheres que possuem cabelos cacheados”, garante a gerente comercial. De acordo com a cabeleireira Walkiria, as marcas perceberam de maneira bem simples a necessidade de linhas voltadas para o cabelo crespo. “É só sair na rua e observar os cabelos das mulheres por 15 minutos. As mulheres estão começando a assumir o que elas são de verdade”, afirma ela.

O sucesso da transição capilar se deve também ao “fracasso” das químicas, já que de acordo com a profissional, com a utilização a longo prazo desses processos são retirados nutrientes essenciais ao cabelo, que não são facilmente repostos, além de provocar uma mudança irreversível na estrutura do cabelo. “O uso prolongado das químicas trazem queda, doenças no couro cabeludo e, em muitos casos, com o uso do formol podem acontecer mortes”.

A estudante de Ciências Sociais na UFG, Karen Stelle Rodrigues de Jesus, de 17 anos, conta que começou a fazer alisamentos no cabelo aos 12 anos, motivada por um sentimento de insegurança com relação a si mesma. “Não curtia meu cabelo, me achava feia”, confidencia. Segundo Karen, a decisão de parar de utilizar a química e passar pela transição foi devido aos problemas que surgiram em seu cabelo, como a queda. “Notei que seria legal retornar ao meu cabelo natural”, diz ela.

No início do processo, Karen conta que algumas pessoas tiravam sarro do seu cabelo com a raiz crespa crescida e o comprimento liso, e que passou a recorrer a pequenos cortes e penteados para driblar a falta de definição do cabelo. “Não pensei em desistir, e não foi tão difícil. Eu cortava umas pontinhas daqui, outras dali e fazia texturização e penteados”, conta.

A estudante ainda compartilha o sentimento que sentiu depois de concluir a transição. “Minha auto estima aumentou 100%, comecei a me enxergar de maneira muito mais confiante. A sensação de se redescobrir, de ser quem eu sou é libertadora”, conta ela, que ainda exalta a praticidade de usar o cabelo como quiser. “Uso solto, preso, amarrado, com lenço, liso, cacheado. Sem que agora (o cabelo) é bem mais saudável”, conta.

A cabeleireira Walkiria Jardim diz que mudar o cabelo não é simplesmente uma ação estética, mas também uma mudança de fora para dentro. “As clientes choram, me abraçam e agradecem quando termino o tratamento. Não tem dinheiro que pague isso. Tudo isso meche com as pessoas, porque elas viviam uma vida que não eram delas, simplesmente porque isso foi imposto. Não é só cabelo, é vida”, afirma, emocionada.