Caderno 3 / Edições

07/05/2017

40 anos afogados em álcool

No coração do Credeq, Seu Sebastião cumprimenta a reportagem e senta-se em um dos bancos, pronto para contar sua história. Quem olha para o senhor de 72 anos que mantém boa aparência, pele corada e um sorriso ainda tímido imagina o que ele passou durante 40 ano da sua vida. Sebastião, envergonhado, prefere não ser identificado pois vem de uma cidadezinha do interior de Goiás, onde todos o conhecem. Apesar de quase todos da cidade saberem que seu Sebastião é alcoólatra há 40 anos, ele prefere ele manter-se invisível aos olhos alheios porque agora ele busca uma nova vida.

Ele trabalhou na roça e começou a beber com o cunhado, que sempre lhe oferecia uma pequena dose de pinga. O vício surgiu e Sebastião começou a sustentar sua dependência. No começo, uma garrafa de pinga durava meses, mas gradativamente o vício tomou conta do aposentado. O excesso de álcool resultou em uma infecção renal e a cerca de 15 cirurgias nos anos de 2011 e 2012.

A quinta internação para tentar combater o vício do alcoolismo ocorreu no dia 26 de agosto de 2016 no Centro de Referência e Excelência em Dependência Química Professor Jamil Issy (Credeq), em Aparecida de Goiânia. Ele já chegou ao local com o sonho de largar seu vício e buscar uma vida nova, convencido por um dos bisnetos.

A passagem do Sebastião pelo Credeq foi rápida, mas efetiva e elogiada pelos médicos e funcionários do local. Os médicos ficaram impressionados com a garra e a determinação do paciente, que nem completou o período regular de 90 dias antes de receber alta médica.

"Era uma vida perturbada, né? Eu não bebia constantemente, mas quando começava a beber, era 8, 10, 15 dias bebendo direto, praticamente sem comer nada. Essa era a vida ", diz Sebastião, com a cabeça baixa e mãos recolhidas. O aposentado sentiu na pele o que é passar dias fora de casa, embriagado, abandonando esposa e filhos. Ele diz que mesmo com as desculpas inventadas por ele, eles nunca o abandonaram e sempre lutavam por sua recuperação. "Chegando em casa, a primeira coisa que farei é pedir perdão à ela. Se precisar, eu vou me ajoelhar", diz com os olhos encharcados.

Sebastião foi servidor público pela rede da educação por quatro décadas, coincidentemente, o mesmo tempo em que se manteve viciado em álcool. Pai de três filhos, perdeu um deles em 2012 num acidente de trânsito. Tem ainda 11 netos e sete bisnetos. Ele passou por uma primeira consulta em agosto de 2016, fez os primeiros exames, mas por falta de leito hospitalar, voltou para casa. Dois dias depois da primeira consulta, Sebastião recebeu a notícia que mudaria sua vida, ele poderia voltar para Goiânia e finalmente começar o tratamento para se livrar da dependência do álcool.

Sebastião conta que quando chegou ao Credeq se sentiu isolado dos outros internos. "Era o único que estava aqui por causa de bebidas, os outros eram por causa de outras drogas. Quero deixar tudo isso pra trás”, exalta. O aposentado afirma que agora se vê livre da prisão que o acorrentou durante quatro décadas. “Hoje é dia de amanhecer com um novo olhar, acordar com o pé direito, passar uma esponja no quadro e reescrever a minha história”.

O aposentado elogia o tratamento que recebeu durante as semanas que ficou internado no Credeq. “Aqui tem psicólogo, nutricionista, fazemos diversas atividades e praticamos esportes todos os dias, em outros lugares, só me medicavam e eu passava o dia inteiro dopado”, revela.

Tratamento

Após chegar ao primeiro atendimento, Seu Sebastião precisou aguardar cerca de 45 dias para começar, de fato, o tratamento. Ele retornou para sua cidade natal, mas já está tomando os medicamentos prescritos. Com a evolução do quadro clínico do aposentado, Sebastião nem precisou ficar os 90 dias que normalmente são necessários nos casos de alcoolismo.

Segundo o supervisor multiprofissional do Credeq Marcus Klein, o tratamento de Seu Sebastião foi mais rápido pois o aposentado seguiu o recomendado com seriedade e mesmo em casa permaneceu sem ingerir bebidas alcóolicas. "Quando ele voltou para a desintoxicação, basicamente já estava limpo. Precisou de mais sete dias para o tratamento, mas precisou voltar para casa novamente pela falta de vagas ", explica o supervisor. Marcos Klein, que é psicólogo, explica que a idade avançada do paciente poderia ter dificultado muito no tratamento, no entanto, a motivação do mesmo fez com que o efeito fosse o contrário.

Credeq

Inaugurado no dia 23 de junho de 2016, o Centro de Referência e Excelência em Dependência Química Professor Jamil Issy, que fica em Aparecida de Goiânia, já recebeu 57 pacientes para o tratamento de diversas dependências químicas. Atualmente conta com 30 internos.

O local conta com alas masculinas e femininas, e tem capacidade para 96 pessoas internadas, mas atualmente funciona com apenas 30% da capacidade. O Credeq conta com 120 funcionários, como médicos, enfermeiros, psicólogos e nutricionistas.