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Posso não pagar o meu aluguel?

Publicado em 28/05/2020

*Felipe Magalhães Bambirra

*José Ribeilima Andrade

Neste texto, vamos responder uma pergunta que vem sendo recorrente: é possível não pagar o aluguel? Ou, ainda, é possível pagar um valor menor, durante a pandemia? É viável rescindir o contrato?

Cenário econômico durante a pandemia

O presente cenário, em meio à pandemia de COVID-19, pode ser descrito como caótico. Já vínhamos sofrendo com a economia brasileira, que começada a engatinhar, depois de anos de corrupção, desmandos e má-gestão.

A esperança, sem dúvida, não morreu, mas não podemos ficar de braços cruzados, esperando o governo ou qualquer outra entidade nos salvar.

Como empresários, autônomos ou profissionais liberais, nossos boletos continuam a vencer, e parte significativa dos negócios foram impactados, de diferentes modos e proporções.

Alguns setores econômicos precisam se reinventar, ou irão, em breve tempo, se asfixiar e morrer. Pense a respeito do entretenimento, bares e cafés, cursos presenciais, lazer e hotelaria, além do comércio tradicional.

Empresários que tem lojas físicas em shoppings e galerias se veem numa situação ainda mais dramática. Nestes negócios, os altos custos fixos - especialmente o de locação, geralmente são compensados pelo grande movimento de pessoas. Sem pessoas, tornam-se impagáveis.

Diante deste problema, vamos analisar dois cenários que consideramos distintos: o de alugueis comerciais e locações residenciais.

Contratos de locação comerciais

O Código Civil permite a revisão ou rescisão em situações anômalas, de caráter imprevisível ? como o caso da atual pandemia. Para isso, é necessário que haja desproporção manifesta no contrato. A previsão legal está resumida no art. 317 do Código Civil:

Art. 317 - Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Outra hipótese de revisão é quando há "onerosidade excessiva" a um das partes, com extrema vantagem para outra. Também há previsão legal, no Código Civil:

Art. 478 -  Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479 - A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480 - Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Além destas autorizações, há ainda outras possibilidades jurídicas, como o reconhecimento de força maior. Resumidamente, possível, especialmente em contratos de locação comercial, a revisão ou rescisão do contrato.

Deve-se ter muito cuidado com a caracterização das situações previstas em lei, pois, como se sabe, não basta ter o direito: é necessário prová-lo. Neste momento, deve entrar em cena, para ajudar o empresário, o advogado especialista na área. A ele incumbe orientações sobre provas, além de trabalhar no processo e, especialmente, nas negociações.

O Poder Judiciário já vem reconhecendo a necessidade de revisão dos contratos. É claro que os juízes tem feito isso com muito cuidado, principalmente para evitar um efeito em cascata na economia, caso decisões sejam tomadas sem critérios rígidos.

Para deixar mais claro, vamos pensar em três cenários hipotéticos.

Primeira situação: locação de restaurante com entrega por IFOOD e outros aplicativos

Neste caso, a viabilidade do Direito vai depender de variáveis como: qual o valor do aluguel? As vendas caíram ou se mantiveram? Houve outras reduções de custos que compensou (como de garçons e outros funcionários)?

Para um restaurante que funciona numa movimenta da avenida, é bem possível que as contas não fechem.

Para aquele que atendia presencialmente número reduzido de pessoas, mas contava com boa parcela de seu faturamento por meio de tele entrega, uma revisão pode ser difícil, ou inviável.

Segunda situação: locação de loja em galeria

Vamos imaginar uma loja, em galeria, que vendia praticamente para as pessoas que lá frequentavam. É o caso de lojas de roupas, produto que as pessoas gostam de ver e experimentar, antes da compra. Certamente, é difícil para este empresário impulsionar as suas vendas por meio de aplicativo.

Claro, pode conseguir, mas não na mesma proporção daqueles que vendem alimentos. Neste cenário hipotético, a revisão se encaixa muito bem nos requisitos legais, devendo ser constituídas provas necessárias para convencer o juiz.

Terceira situação: locação de loja em shopping center, que vende online

Uma loja de eletrônicos, localizada no shopping, possui altíssimo custo de locação e depende de alto giro para pagar seu aluguel. Contudo, seu negócio funciona bem online, e pode ser transferido para um depósito, enquanto durar a pandemia, pois só venderá mesmo online.

Nessa situação, há uma onerosidade excessiva para o empresário, pois trabalhará para pagar um aluguel inútil, se é que vai conseguir pagar, pois o mercado online é concorrido. Assim, há maiores chances de sucesso.

Contratos de aluguel residencial

Os mesmos artigos citados do Código Civil, aplicam-se também à locação residencial. Porém, há entre eles - residencial e comercial - uma diferença significativa. No contrato comercial, o imóvel, em regra, não pode ser usado, por estar impedido de funcionar, ou, se pode funcionar, não há pessoas circulando.

Já o imóvel locado para residência, continua tendo o seu uso normal. Isso é um dificultador da revisão e rescisão contratual. Mas não significa que seja totalmente inviável.

Principalmente no caso em que o locatário desenvolve atividade autônoma, como um vendedor ou prestador de serviço, que foi severamente impactado pela crise, é possível a revisão.

Nesta hipótese, é preciso demonstrar ao juiz, claramente, a sua situação econômica, que deve ser tal que torna inviável o pagamento dos alugueis.

Deve-se lembrar, ainda, que a conciliação é incentivada e, como regra, deve ocorrer em todo processo, devendo as partes buscar uma solução que seja viável a ambas.

Tendo em vista uma tendência jurídica a não permitir o despejo, em caso de inadimplemento contratual, durante a pandemia, o processo e a subsequente negociação passam a ser uma opção interessante.

Atualmente, tramita no Congresso uma lei proibindo temporariamente o despejo, o que servirá de incentivo à negociação. Então, na dúvida, procure um advogado de confiança e, preferencialmente, especialista ou com experiência em Direito Imobiliário, pois ele poderá orientá-lo em relação a seu caso específico.

É possível que haja soluções que atenuem o sofrimento neste momento de tantas incertezas.

Felipe Magalhães Bambirra - Mestre e Doutor em Direito (UFMG). Pós-Doutor em Direitos Humanos (UFG). Professor do Mestrado em Direito Constitucional Econômico (UNIALFA/GO). Advogado - OAB/GO 51.850

José Ribeilima Andrade - Especialista em Direito Imobiliário, Civil, Processo Civil e Constitucional,  e Gestão de Negócios. Advogado - OAB/GO 27.849

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